OS MILAGRES E A CIÊNCIA

Os Fenômenos Supranormais(SN)

          Este tema constitui o objetivo de minha vida de parapsicólogo. Tudo o que estudei e tudo o que já escrevi foi em função deste tema.

Primeiro escrevi sobre os mistérios que certamente têm explicação natural. Justamente para sobre essa base poder analisar se há no nosso mundo observável, em relação aos homens, fatos por Outra Força, diferente da natureza.

           Uns críticos (Ephraim Ferreira Alves da "Revista Eclesiástica Brasileira", seis professores da Universidade Gregoriana de Roma, o bispo de São Mateus,  pe. Bernardo Thus, pe. Fidelis Dalcin Barbosa, pe. Lindolpho A. da Silva, pe. Phambu Ngumba Balduino, de Uganda; os parapsicólogos Cícero Brandão, Rogério Calza; Maria Leonice de M. Oliveira e Joaquim Reis Oliveira, de Portugal; Ma. Luíza e Orlando de Albuquerque, também de Portugal; etc., etc.) escreveram que nos meus "livros anteriores havia aposentado brilhantemente os demônios, espíritos de mortos..." Sei e respondi que ao menos no meu caso "os elogios são como os perfumes, posso aspirá-los mas não devo engoli-los" (Charles Clark Munn). Muito mais do que meu, foi mérito da parapsicologia: milhares de pesquisadores.

            "Agora estou curioso"  - continuavam alguns desses críticos -  "em saber o que a parapsicologia vai fazer com Deus".

            O problema é que este tema dos milagres e concretamente dos milagres divinos é muito amplo, muito complexo... e muito apaixonante. Tenho certeza de que ao longo da história, mas especialmente nos séculos XVIII e XIX, foi o tema do milagre divino o que provocou mais discussões e as mais acaloradas entre os líderes de diversas ciências de observação, de várias filosofias e de diferentes religiões.

             Como conseqüência, nos séculos XX e XXI a imensa maioria das afirmações, pró e contra, são propostas fanaticamente, seus propagadores sofreram lavagem cerebral. Outros são ingênuos que se deixaram arrastar pelo ambiente, durante toda sua vida intelectual: agora não têm condições psicológicas de reconhecer que toda a vida estiveram ingenuamente errados.

            E como entrar no meio dessas acirradas e apaixonadas discussões? Pensei nisso durante muitos anos.

            O tema é difícil, complexo, cheio de paixão... A imensa maioria das pessoas cultas, inclusive a maioria dos melhores teólogos da minha própria religião, são de opinião diametralmente contrária à que defendo. Por que são dessa opinião? Analiso suas posições e apresento os argumentos contrários. Espero que se analisem os argumentos.

            Em todo caso, abordo este tema dos milagres, um problema fundamental e inesquivável se o homem quer ser racional!, tema a que  - repito -  dediquei toda minha vida de pesquisa, "lutando contra o erro, não propriamente contra aqueles que erram". Se parecer o contrário, é porque os que erram às vezes se auto-identificam com o próprio erro, fazem do erro parte do sangue que lhes dá vida. Estes talvez fiquem meus inimigos e, paradoxalmente, ninguém mais do que eles deveriam ser meus amigos" (Geraldo Rodrigues).

            É um tema ao que vamos dedicar muitos artigos. Intercalando, claro, com outros temas. Mas pequenos grupos de artigos, dois ou três, e mesmo às vezes um só, têm sua própria importância, interesse..., e auto-suficiência.

            Isto suposto, querido leitor: ânimo, vamos refletir juntos?

       O PROBLEMA

       Um violento incêndio pode dar a impressão de que surgiu sozinho, mas certamente enquanto houver matéria comburente um incêndio não se apaga sozinho e num instante. Os sinos não badalam sozinhos. Se alguma vez um incêndio se apagasse subitamente, ou os sinos badalassem freneticamente sem que ninguém nem coisa alguma percebível estivesse agindo sobre eles, toda pessoa sensata logo procuraria alguma causa... "oculta".

            Aí começa o problema: Que causa?

            A maioria dos cientistas, hoje, partem do suposto que sempre há uma causa natural. Pode até ser que nunca se descubra essa causa, mas "natural tem de ser", afirmam. Por quê?

            Outras muitas pessoas, pelo contrário, quando após uma rápida observação não encontram a causa, logo passam a pensar em  milagre, intervenção de uma causa não natural: Deus, demônios, espíritos de mortos, orixás, fadas, ondinas, larvas astrais, gênios, mahatmas, valquírias, gnomos etc., etc. Por quê?

     

É sabido que há técnicas
de caminhar sobre o fogo,
como mostra o artista (de
circo e de cinema) Sandre
Rao.

            Por que o naturalismo fechado?

          Por que a fácil abertura ao sobrenatural?

          E qual causa sobrenatural, entre tantas proclamadas por milhares de religiões? Há hoje mais de 56.000 religiões e seitas. É absolutamente evidente que Deus não pode haver revelado duas religiões, diferentes e contraditórias como são. Deus não pode enganar-se nem enganar. Se houve Revelação, Deus só pode haver revelado uma única religião. Todas as demais, evidentemente, têm que ser invenção humana. E se Deus revelou, tem que "assinar". Ou aceitar a Revelação seria irracional... Os milagres são a única e necessária assinatura suficiente de Deus.

           Problema complexo e importantíssimo...

          

           MOISÉS EM TABERA

           No livro mais divulgado do mundo em todos os povos, em todas as línguas, em muitos séculos, a Bíblia, todos os fenômenos misteriosos são atribuídos a Iahweh. Por quê?

          "O povo elevou uma queixa (...) e Iahweh a ouviu, a Sua ira se inflamou e o fogo de Iahweh ardeu entre eles e devorou uma extremidade do acampamento. O povo clamou a Moisés, que intercedeu junto de Iahweh, e o fogo se extinguiu. Chamou-se este lugar de Tabera. (Tabera propriamente significa "lugar de pastagem", mas o autor bíblico faz um jogo de palavras intraduzível em relação a uma raiz verbal parecida que significa "queimar") porque o fogo de Iahweh ardeu entre eles" (Nm 11,1-3).

            FOI HISTÓRICO? FOI MILAGRE?

          São Paulo afirma que o fato da súbita extinção do incêndio em Tabera é milagre da fé de Moisés e objeto da fé dos judeus e cristãos: "Que mais devo dizer? Não teria tempo de falar com pormenores (...) dos profetas. Estes, pela fé, (...) extinguiram o poder do fogo" (Hb 11,32-34).

           E tradicionalmente judeus, cristãos, assim como os muçulmanos etc. não duvidaram nem da historicidade do fato nem de que fosse milagre.

           Há  anos, porém, os racionalistas apresentaram multidão de "argumentos" teóricos para "demonstrar" que tais fatos não podem existir na realidade.

           E a maioria dos cientistas de hoje nem sequer olham para estes fatos. Preferem simplesmente "ignorar" os fatos.

            E a partir do século XIX, para a maior parte dos teólogos, tanto protestantes como católicos, tais narrações são lendas bíblicas para ensinar uma doutrina.

            - Que o intuito principal da Bíblia é ensinar doutrina, é evidente. Mas lenda? Todos os casos... maravilhosos, referidos na Bíblia, são lendas?

          Aí está o problema. Primeiro e básico: por quê? Segundo e transcendental: então a doutrina bíblica está no ar, sem o sustentáculo dos fatos? A Doutrina seria proposta irracionalmente? Terceiro: e os casos idênticos, durante os séculos, então também seriam lendas? Todos? Refiro-me ao chamado "efeito bumerangue": no estudo dos milagres os defensores acenam a que os milagres bíblicos ir-se-iam repetindo até hoje e assim confirmando, e os modernos confirmariam os antigos. Na discussão do sensacional tema dos fenômenos supranormais(SN), deverei sempre analisar o efeito bumerangue, escolhendo, quase ao acaso, entre tantos fatos apresentados ao longo dos séculos.

            APAGAM-SE TOCHAS

           * Século III. Santa Eugênia, então com 20 anos, após superar os tormentos que pretendia infligir-lhe o prefeito de Roma, assim como o juiz, acabou sendo levada perante o próprio imperador Décio. O imperador queria verificar pessoalmente os milagres de invulnerabilidade que se atribuíam à jovem cristã.  (que analisarei em outros artigos).

            Foi arrojada na vivíssima fornalha das famosas termas de Severo. O fogo instantaneamente se apagou. E não houve modo de que os encarregados conseguissem acender de novo o fogo, enquanto a santa ficou dentro do forno.

            *Santa Restituta. Convertidos pelos prodígios realizados pela Santa,  os carcereiros fazem-se batizar pelo padre Ciril. Então o procônsul manda que compareçam perante seu tribunal a jovem Santa Restituta, o pe. Ciril e os carcereiros recém-convertidos ao cristianismo.

            Santa Restituta e o pe. Ciril são condenados a morrer na fogueira. E... as tochas se apagam sozinhas. Novos intentos. Tudo inútil. Após muitas ordens dos oficiais e muitos esforços dos dois carrascos, também estes dois homens, que como ninguém sabiam o que estava acontecendo, pedem o batismo.

          Os dois carrascos foram condenados à morte pela espada. Quanto a Santa Restituta.., voltaremos a falar dela em outro artigo.

            * Século IV. Com o médico São Pantaleão, as tochas apagavam. De tanto que aumentavam o fogo das tochas, os carrascos só conseguiram queimar as próprias mãos.

            COSME E DAMIÃO

           Os santos cuja figura o sincretismo umbandista conseguiu desfigurar completamente.

          Irmãos gêmeos. Pira ardente, mas as chamas afastavam-se dos santos irmãos.

            O martirológio resume assim: "Em Egéia, a morte dos santos mártires Cosme e Damião, irmãos: Durante a perseguição de Diocleciano, depois de terem sido carregados de ferros e encarcerados numa estreita prisão, foram atirados ao mar (flutuaram e saíram ilesos), depois ao fogo (as chamas se afastavam, como já frisamos), em seguida pregados na cruz (onde a morte não os atingiu), lapidados (mas as pedras não os feriam) e traspassados de flechas (cujas feridas logo depois cicatrizavam deixando-os incólumes). Tendo a tudo suplantado, foram ao final, decapitados (Tudo parece indicar, mais uma vez, que Deus "respeita" a vontade e ação mais direta do homem...). Com os dois também sofreram e morreram seus três irmãos Ântimo, Leôncio e Euprébio".

            CASOS SEMELHANTES

          Com outros muitos santos também aconteceu que o fogo das tochas se apagasse e que fosse impossível acender a fogueira, como com o abade São Liberato, o diácono São Bonifácio, os mártires de Cartago em África, etc., etc.

            CABE A DÚVIDA?

           É elementar em parapsicologia que a telergia humana, isto é, a energia somática transformada e exteriorizada, dirigida pela telebulia ou vontade do inconsciente, pode  apagar instantaneamente uma vela, um charuto, mesmo uma pequeníssima tocha. Fatos como esse acontecem em todas as épocas, em todas as religiões, ou independentemente de qualquer conotação religiosa. É um fenômeno de telecinesia humana.

São Policarpo é lançado à
fogueira. As chamas enormes
tomou a forma de vela ao redor
do santo. A partir daquele dia
não houve mais perseguições
aos cristãos em Esmirna e
cidades vizinhas
.

            Dever-se iam à telergia humana casos, como os citados, de santos com os que se apagou instantaneamente o fogo com que os tiranos queriam martirizá-los? Ou são casos superiores à telecinesia humana? Muitos dos algozes converteram-se ao cristianismo considerando milagres esses fatos. Para os tiranos, era magia. Casos nessa proporção não há "em todas as religiões" ou "em qualquer ambiente"...

            APAGAM-SE GRANDES INCÊNDIOS

          * Século V. Um enorme incêndio deflagrou-se na Avenida do Leste e ameaça consumir toda Viena (Áustria). O arcebispo, São Mamerto, prostrou-se perante o altar e em voz alta pede a Deus, perante os fiéis, que se apague o incêndio... já. E imediatamente o incêndio cessa completamente.

            * Séc. VI. França. O perigo do fogo passar ao madeiramento e estender-se a todo o convento é iminente. São Laumer extingue o fogo instantânea e completamente.

             * Século VII. Um violento incêndio ameaça acabar com toda a cidade francesa de Noyon. O fogo já atinge a tão estimada Basílica de Santa Maria. Um grupo de pessoas carrega Santa Godeberta, muito doente. Pensam que as chamas têm de respeitar a famosa santa. Santa Godeberta perante tantíssimas testemunhas, faz o sinal da Cruz em direção das chamas. E instantaneamente o fogo se extingue radicalmente, salvando-se a Basílica e toda a outra metade da cidade.

            * São Lobo, arcebispo de Sens. Salvou a Catedral e a metade restante de Chalons. 

            * São Cuthbert, bispo de Lindisfarne, "o Taumaturgo Inglês". Apaga instantaneamente um incêndio de grandes proporções que iria causar incalculável prejuízo.

            * Século IX. O fogo que destruíra os palácios dos Saxões e dos Longobardos, arrastado pelo forte vento agora avança irremediavelmente sobre a vizinha Basílica de São Pedro, no Vaticano. O papa São Leão IV, perante a multidão, ora a Jesus Cristo: no mesmo instante e completamente o devastador fogo ficou extinto.

            * Século XII. São Bernardo de Abbeville com uma só palavra apagou um feroz incêndio.

            E OUTROS MUITOS SANTOS

           *A cidade italiana de Ancona foi salva das chamas pela oração do seu bispo São Marcelino.

           * O célebre templo de Santa Anastácia, em Constantinopla, foi salvo pela oração do patriarca de Antioquia São Macário. E a cidade de Malinas.

            *Os melhores historiadores recolhem outros muitos milagres de apagar instantaneamente incêndios, como os alcançados pelos santos Romualdo Estevão, Benedito, Hilário, Visidôncio, Medoaldo, Bertulfo, Tecla, etc., etc. Inclusive alguns hagiógrafos dedicam monografias a fatos desta classificação.  

            O FOGO FOGE

           * Século VI. Um horroroso incêndio devorou uma grande parte da cidade de Reims e evidentemente destruiria a cidade inteira. No desespero, muitos acudiram ao santo arcebispo. São Remi fez em direção ao fogo o sinal da cruz, enquanto dizia com voz forte: "Até aí chegaste, mas daí não passarás". O avanço da linha de fogo parou imediatamente. Então São Remi começou a avançar em direção às altas chamas, e estas, em toda a extensão de sua linha de frente, começaram a retroceder com a mesma velocidade que o santo caminhava a passos largos, firmes, rápidos.

            * Século VIII. São Godoardo. Sempre que um incêndio se deflagrava, o que não era raro nos bosques dos arredores de Soissons, os habitantes lá conduziam São Godoardo. E o santo ia empurrando o incêndio pela parte já consumida (como o fogo lá podia continuar?), até chegar aonde o fogo começara e aí se extinguia.

            * Sédulo XVI. Na Espanha. Convento de Nossa Senhora do Rosário, São Pedro de Alcântara avança para o fogo. E o fogo, como fugindo do santo, vai retrocedendo e, chegando aonde surgira, apaga-se completamente.

            * O famoso missionário espanhol na América, São Luis Bertrand. O fogo consumira todo o bosque, com grande perigo para a tribo de índios que ficaram cercados pelas chamas. São Luís conclamou a fé em Jesus Cristo, que vinha lhes pregar e fez contra o fogo um solene sinal da Cruz. Imediatamente o fogo desapareceu. As numerosas testemunhas garantem que não ficaram nem brasas.

            INCLUSIVE AS RELÍQUIAS

          * Século VI. O bispo de Paderborn, Venerável Meinwerk, tinha dúvidas de se seriam mesmo de São Félix II os ossos que lhe enviara o patriarca de Aquiléia. Para dirimir as dúvidas, acudiu ao "juízo de Deus" pela prova do fogo. Mandou que no claustro do mosteiro (por ele construído e para o qual solicitara de Itália as relíquias) fizessem uma enorme fogueira. Quando as chamas alcançaram o máximo da sua potência, jogou no meio do fogo os ossos, envolvidos simplesmente em panos. A fogueira se apagou no mesmo instante. Segunda "prova de fogo", e por segunda vez a enorme fogueira se extinguiu instantaneamente. Por terceira vez, e entre as aclamações entusiastas do povo, o bispo pode recolher com suas  próprias mãos as preciosas relíquias de São Félix II, papa e mártir.

            NÃO CABE DÚVIDA

           Que casos como os citados, entre milhares que poderia citar, não  se encontram "em todas as religiões" ou "em qualquer ambiente": que casos como os citados são muito superiores aos correspondentes fenômenos de pirovásia por telergia humana, não se pode duvidar.

            Os casos de superar o fogo ou apaga-lo instantaneamente (pirovásia) constituem um mero exemplo. Pirovásia supra-normal? O nosso objetivo ou a pergunta nesta longa série de artigos que agora começamos sobre "Os Milagres e a Ciência", refere-se também a todos os outros tipos de fenômenos.

            Perante todos esses milhares e milhares de casos, os racionalistas podem continuar negando os correspondentes casos bíblicos? Muitíssimos teólogos de hoje podem continuar afirmando que foram lendas? Os bíblicos e em conseqüência e pelos mesmos "motivos" também os pós-bíblicos? Todos?

            Esses milhares de casos... "maravilhosos", de cada tipo, à simples vista muito superiores aos fenômenos naturais e humanos extra-normais e para-normais, são Supra-Normais (SN), são milagres?

 EM PROCURA DA CAUSA


            É evidente que tanto nos defensores como impugnadores dos milagres flutua o convencimento verdadeiro de que nesses fatos extraordinários há "outra causa"... O problema ou a discussão gira ao redor da determinação dessa "outra causa". O grande fogo não se apaga sozinho: qual é a causa oculta que o apagou?

            Todos esses fatos, como todos os fenômenos parapsicológicos, a partir especialmente do século XIX, foram marginalizados por quase todos os cientistas estabelecidos, no mais anti-científico apriorismo. E alguns desses casos, precisamente os mais notáveis, foram negados pelos racionalistas e seus seguidores sem nem sequer estuda-los. São fatos aos quais foi negada inclusive a possibilidade.

           --Mas fechar os olhos à realidade que incomodaria, ou mesmo à meramente possibilidade que incomodaria, certamente é muito cômodo, mas não é nem científico nem racional.


            OS SINOS BADALANDO SOZINHOS

Nas coleções de fenômenos misteriosos acumulados pela parapsicologia, um tipo de fato muito semelhante, por vários aspectos, ao do fogo devastador apagar-se "sozinho" (que vimos no artigo anterior), é o de sinos badalando "sozinhos". São dois tipos de fenômenos que escolhi ao acaso. Tem de haver uma causa "oculta". Qual? Por quê essa  causa? Ai está o problema.

           Século XVII. Durante uma peste ocorrida na cidade de Milão. Na noite de 22 de setembro, enquanto os frades dominicanos cantavam as matinas no coro, os sinos do campanário da Igreja, dedicada a Nossa Senhora, durante algum tempo ficaram acompanhando a melodia. Comprovaram que foi "absolutamente sem que fossem tocados com mão mortal". E todos ouviram uma voz: "Mãe, eu quero que tenhas piedade do meu povo". Interpretaram que fosse o poder de Jesus Cristo a tocar os sinos e que seria a voz do mesmo Jesus Cristo pedindo à Sua Santíssima Mãe que livrasse o povo da peste. De fato a peste foi diminuindo, e no fim do ano estava praticamente extinta.

- Completamente absurda a interpretação. Em primeiro lugar, não é Cristo a pedir à Sua Santíssima mãe que Ela faça um milagre. Seria Nossa Senhora a pedir, ou mesmo a "mandar", ao seu Filho que Ele faça, e o Filho "obedece".

  Em segundo lugar, nenhum verdadeiro especialista ia considerar milagre que a peste diminuísse paulatinamente durante mais de três meses (aprofundaremos isto em outros artigos).

 Terceiro: um mínimo conhecedor de parapsicologia sabe que a poucos metros de distância, a telergia de uma pessoa pode fazer soar os sinos. Telecinesia. Foi em uma só igreja, precisamente quando os freis estavam no coro, muito perto do campanário.

 E também um mínimo conhecedor de parapsicologia sabe que a telergia, perto, pode fazer vibrar o ar em forma de vozes: psicofonia. No caso, vulgaríssima:  umas poucas palavras. A absurda interpretação de ser a voz de Jesus dirigida à Sua Mãe Santíssima claramente está mostrando a prosopopéia (= dramatização) da psicobulia (= desejo do inconsciente) de alguém dos presentes. Casos na mesma dimensão e inclusive em dimensões um pouco maiores que o de Milão acontecem em todos os ambientes, de todas as religiões ou independentes de conotação religiosa.

           Para razoavelmente poder-se olhar a hipótese de fenômeno supra-normal (SN), milagre, teria de tratar-se de um fenômeno de dimensões bem maiores..., e com menos contradições! Com características bem diferentes do claramente natural...

          "BEM DIFERENTE"

          Século XII. O bispo São Aldebrando havia entregue à catedral de Fossombroni (Itália) um conjunto de sinos. Vencedores, porém, na guerra, os habitantes de Jano roubaram os sinos e os levaram para sua cidade. "Eu dei esses sinos para o serviço do meu próprio povo, não dos seus inimigos", disse o santo, e mandou que os sinos permanecessem mudos. Os habitantes de Jano não conseguiram de maneira alguma fazê-los soar.

           Estupefactos, os habitantes acabaram decidindo devolver os sinos à catedral de Fossombroni. Assim que chegaram à ponte sobre o rio do Metauro, perto da catedral, todos os sinos badalaram sozinhos por um bom tempo.

Os fatos são garantidos nada menos que pelos Bolandistas, o grupo de historiadores de mais prestígio em todo o mundo.

- Nem pensar na telergia, humana, natural, de São Aldebrando sobre os sinos, quando estes já estivessem à distância.

A telergia de alguém do povo de Jano, acompanhando de perto os sinos, ida e volta, talvez impressionado pela ordem do santo, conseguiria segurar todos os badalos de todos os sinos? Durante todo o tempo?! Contra o esforço muscular dos que intentavam fazê-los soar?! E depois, já entregues aos seus donos, à distância, os faria soar de novo? Ninguém que conheça um mínimo de parapsicologia lançaria tão descabida hipótese.

O fato certamente exige outra causa "bem diferente"... Qual?

"DIMENSÕES BEM MAIORES"

           * Século XII. Uma multidão se preparava para acompanhar os restos mortais de São Isidro, do cemitério ao interior da catedral. O padroeiro de Madri havia morrido quarenta anos antes. Era ao entardecer, quando abriram o túmulo. Logo o clamor e a emoção percorreram todos os presentes: o corpo de São Isidro estava completamente incorrupto, e um indescritível aroma espalhou-se pelo ambiente (a incorrupção será analisada em detalhe em outra série de artigos).

           A emoção foi tanto mais profunda, quanto que todos, ao redor da catedral como na cidade inteira, no mesmo instante em que foi aberto o túmulo de São Isidro, ouviram todos os sinos da cidade a badalar alegremente sem que ninguém os tocasse. E badalando alegremente, sozinhos, continuaram durante toda a noite.

          * Século XIII. Os preâmbulos foram dramáticos. Já se passaram muitos anos, desde que em 1208 o papa Inocêncio III pedira uma Cruzada contra os hereges albigenses (gnósticos mais satanistas que cristãos) ou cátaros ( = puros, pois se auto-consideravam os únicos sem pecado), após estes haverem assassinado inclusive a Pierre de Castelnau, delegado papal e vingativo defensor dos católicos contra os perseguidores albigenses nos domínios do conde Raimond IV, de Toulouse. Os cruzados católicos, às ordens do espanhol Simón de Monfort, que pereceu na batalha de Muret (1213), e apesar da oposição do rei de Aragón (Espanha), massacraram os albigenses em sucessivas batalhas. Pereceram até talvez 40.000 cátaros albigenses (assim chamados por residirem principalmente na cidade de Albige, perto de Toulouse, no sul da França).

          O esperançoso tratado de paz, sob a regência de Blanca de Castilla, firmado em 1229 em Paris, na realidade pouco durou. Porque os albigenses se vingavam assassinando católicos por todas partes; inclusive um bando de cem homens, organizado em 1242 pelo meirinho de Raymond VII, assassinou os onze inquisidores católicos de Avignon. Recrudesceram as mortes de milhares de pessoas, albigenses e católicos. O bando dos cem justiceiros albigenses foi oficializado. Até que em 1283, pela ação religiosa e diplomática do papa Alexandre IV, o bando de justiceiros foi dissolvido e reinou a paz.

          A importância da intervenção de Alexandre IV foi sublinhada por uma grande maravilha:

          Os sinos de todas as Igrejas de Avignon, que estiveram em silêncio durante quarenta anos de lutas fratricidas, sozinhos puseram-se a badalar alegremente e continuaram a badalar durante toda a noite e durante todo o dia seguinte. Sozinhos. Mais ainda: as portas de todas as igrejas católicas, que estiveram fechadas durante quarenta anos com toda classe de trancas, cadeados e inclusive ferros argamassados nos muros, abriram-se também sozinhas, sem pedreiros nem martelos, sem chaves.

          Consta indiscutivelmente a realidade do fato. Milhares e milhares de testemunhos. Houve tempo abundantíssimo para a mais perfeita verificação. Em 1293, para o processo canônico, a declaração do fato foi assinada por grandíssimo número de habitantes. Outro processo histórico em 1537 para a bula do papa Paulo III. E de novo ata de tabelião assinada a 29 de janeiro de 1676, para o processo dos Mártires de Avignon.

QUAL FOI A CAUSA?

Seria telergia demais... Certamente a telergia humana não é suficiente nem muitíssimo menos para os casos dos sinos com São Aldebrando, com São Isidro, com os Mártires de Avignon, etc., etc. Certamente estes fatos, como também não os fatos de pirovásia aludidos no artigo anterior, e milhares e milhares de outros fatos de outras classificações de fenômenos, não ocorrem em qualquer ambiente, em todos os povos, em todas as religiões....

            São milagres? Essa é o pergunta central de toda esta muito longa série de artigos sobre um problema sensacional. Há milagres? O que é milagre?

            DESORIENTAÇÃO DO ESPIRITISMO

          Antes de entrar na apaixonada e apaixonante polêmica tri-secular, permita-me o leitor abaixar... É lamentável ter que abaixar o nível do debate citando Allan Kardec e os "mestres" do espiritismo. Mas estamos no Brasil, onde lamentavelmente há muitíssimos espíritas, uns por ingenuidade e enganados por muitos outros fanáticos e inclusive mal intencionados... Serei breve.

            Pelo ambiente de racionalismo contra o cristianismo, Kardec "ouviu sinos", mas por sua superficialidade cultural ficou "sem saber donde".

            1º) Em "A Gênese. Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo" escreve Allan Kardec: "O espiritismo não faz milagres (...) Esses fenômenos, é certo, se prendem à existência dos espíritos e à sua intervenção no mundo material. Ora, dizem que isso é sobrenatural; mas então teria sido necessário provar que os espíritos e suas manifestações são contrários às leis da natureza".

            - É pena que tenhamos de perder tempo intentando que os espíritas reflitam sobre tantas contradições, disquisições, confusões de conceitos e preconceitos dos "espíritos superiores" (?). Vejamos frase por frase:

            *** Kardec: "O espiritismo não faz milagres".

             -- Respondo: Sem dúvidas. Acertou! Já o demostramos em outros livros e artigos.

            *** "Esses fenômenos, é certo, se prendem à existência dos espíritos".

            -- Para começar, não há espíritos desencarnados. Como explicamos no livro "A Morte em Questão" e em outros artigos há homens vivos e homens ressuscitados, mas não há espíritos humanos sem corpo; o conceito de espíritos desencarnados é um monstruoso disparate.

             - E, em segundo lugar, precisamente o que haveria que demonstrar é que os "espíritos desencarnados" (!?) intervêm no nosso mundo. Não "é certo". Tudo pelo contrario, é falso que os espíritos intervenham neste mundo, como se demonstra em outros livros e artigos.

            *** "...e a sua intervenção no mundo material".

            -- Mas é interessante: Bem definido o milagre (Uma força não do nosso mundo intervindo no nosso mundo). Como pode dar agora por suposto que os espíritos fazem milagres, se uma linha antes dava por suposto que não os fazem?

            *** "Ora, dizem que isso é sobrenatural".

            -- É claro, se fosse real. Acertou. Corresponde à definição clássica, tradicional, de milagre.

            *** "mas então teria sido necessário provar que os espíritos (!?) e suas manifestações (!?) são contrários às leis da natureza".

            -- O que tem a ver uma coisa com a outra? Coitado! Não entende nem os conceitos daquilo de que está falando.

            2º) E Allan Kardec acrescenta pouco depois: "A intervenção de inteligências ocultas nos fenômenos espíritas não os torna mais miraculosos que todos os demais fenômenos devidos a agentes invisíveis, pois esses seres ocultos que povoam os espaços são uma das potências da natureza, potências cuja ação é incessante sobre o mundo material, como sobre o mundo moral. O espiritismo, esclarecendo-nos acerca desse poder, nos dá a chave de uma multidão de coisas inexplicadas, e inexplicáveis por quaisquer outros meios, e que em tempos remotos puderam passar por prodígios".

- Vejamos de novo frase por frase. Quase tantos erros como palavras:

*** Kardec:  "A intervenção"     

            -- Respondo: Haveria que demonstrá-la! A parapsicologia demonstrou que "os mortos não interferem no mundo".

                *** "de inteligências ocultas".

            - Respondo: Tão ocultas que ele, contraditoriamente, as considera desencarnadas! Nem existem!

            *** "nos fenômenos espíritas".

            -- A parapsicologia demonstrou o contrário.

            *** "não os torna mais miraculosos que todos os demais fenômenos devidos a agentes invisíveis". 

                -- Na pretensão de ser racionalista cai na irracionalidade de discussão meramente de nome: ao que todos chamam milagre e sobrenatural, ele quer chamar natural. A ação de seres não do nosso mundo, ele quer considerá-la tão de nosso mundo como a ação da eletricidade, por exemplo!

            *** "pois esses seres ocultos que povoam os espaços".

            -  Como as ondas de TV e de rádio, por exemplo!

            *** "são uma das potências da natureza, potências cuja ação é incessante sobre o mundo material, como sobre o mundo moral".

            -- Os "espíritos desencarnados" (!?) e sua suposta ação seriam tão naturais como as ondas de rádio! E essas forças "tão naturais" agiriam também e continuamente sobre o mundo moral! Coitados espíritas, que seguem tão obtuso "mestre"!

            *** "O espiritismo, esclarecendo-nos (!?) acerca desse poder, nos dá a chave de uma multidão de coisas inexplicadas, e inexplicáveis por quaisquer outros meios".

            - Prescindamos da atribuição errada a espíritos desencarnados. Temos de novo uma a definição clássica de milagre. Acertou!, em contradição com o que pretende afirmar. Coitado!  

                3º) E mais adiante Allan Kardec volta a embaralhar os conceitos com meras distinções de nome. Descreve bem o que é chamado milagre (no caso seria dos espíritos dos mortos!!), mas com disquisições nega-se a chamá-lo milagre: "Pois que o espiritismo repudia toda pretensão às coisas milagrosas, haveria fora dele milagres na acepção usual da palavra? (...) Deus faz milagres? Quanto aos milagres propriamente ditos, desde que nada é impossível a Deus, Ele os pode sem dúvida fazer (...) Em outros termos: Ele derroga as leis que estabeleceu? (...) Deus não faz milagres, porque sendo suas leis perfeitas Ele não tem necessidade de as derrogar. Se se trata de fatos que não compreendemos, é que ainda nos faltam os conhecimentos necessários".

            --Novamente tantos disparates como alíneas... 

          *** Kardec: "Pois que o Espiritismo repudia toda pretensão às coisas milagrosas, haveria fora dele milagres na acepção usual da palavra?

            -- Respondo: Repudia fora do espiritismo, mas defende que há dentro do espiritismo "milagres na acepção usual da palavra", apesar de antes negá-los. Coitado!

            ***  "Deus faz milagres? Quanto aos milagres propriamente ditos, desde que nada é impossível a Deus, Ele os pode sem dúvida fazer".

            - Coitado! Antes dizia "milagres na acepção usual da palavra". Agora diz "milagres propriamente ditos"! 

- Antes dizia que "o Espiritismo repudia toda pretensão às coisas milagrosas". Agora diz que "Deus os pode sem dúvida fazer".

- De novo dá implicitamente a definição clássica, tradicional, de milagre: Deus intervindo na natureza por cima dos poderes dela. E imediatamente escorrega a uma definição completamente espúria: "Ele derroga as leis que estabeleceu?".

*** Kardec: "Deus não faz milagres, porque sendo suas leis perfeitas Ele não tem necessidade de as derrogar".

-- Respondo: Nova escorregada: atribui ao milagre uma finalidade, serve-se de uma definição completamente espúria, apesar de que ele mesmo outras vezes usou a definição clássica. Coitado! Não tem nem o mínimo equilíbrio mental, é confusão demais.

***Kardec: "Se se trata de fatos que não compreendemos, é que ainda nos faltam os conhecimentos necessários".

-Respondo: Mais uma escorregada racionalista. Mas inclui uma grande confissão: ele, em nome de todos os espíritas, está falando de "fatos que não compreendemos, é que ainda nos faltam os conhecimentos necessários".  Evidente, em meio a tanta confusão...    

                Etc., Etc.... Bom, deixemos Kardec e os "mestres" espíritas, deixemos esses debatedores sem a mínima categoria, e já entraremos na apaixonante polêmica secular: Qual é a causa de milhares e milhares de fenômenos, de todas as classificações, os mais maravilhosos, os mais  admiráveis, muitíssimo superiores, que certamente não ocorrem em todos os povos, em todas as religiões... Há milagres? O que é milagre?

 QUAL É VERDADEIRA DEFINIÇÃO DE MILAGRE?

 

                DESORIENTAÇÃO INICIAL DE SANTO AGOSTINHO

"Perseu Resgatando Andrômeda".
Quadro de Filippo Falciatore. Até grandes
civilizações e até grandes inteligências
acreditavam em toda classe de mitos...
e desvalorizavam os milagres de Deus.

          Sua grande inteligência esbarrou na dificuldade, na sua época e ao começar suas reflexões, de explicar certos fenômenos, humanos, dentre os que hoje chamamos parapsicológicos. E por esta dificuldade durante algum tempo passou a desprezar os milagres, com diversas e sucessivas idéias erradas. Desde Santo Agostinho foi precisamente esse desconhecimento de parapsicologia que desnorteou muitos  teólogos,  filósofos e cientistas de observação.

            Nessa fase do seu pensamento o santo bispo de Hipona considerava os milagres como de uma época de transição e os relegava ao último plano entre os valores relacionados com a religião. Julgava os milagres uma concessão à debilidade dos inícios do cristianismo. Só nos inícios do cristianismo. Depois, o cristão "é tanto mais forte quanto não mais os procura".

              Também os maus poderiam operar milagres. Santo Agostinho acreditava então que junto aos milagres de Deus, havia outros "milagres" devidos a outras forças sobrenaturais. Agiriam pelos chamados magos, pitonisas, médiuns, bruxos, endemoninhados etc. Chegou a contrapor -e quantos depois dele repetem tal erro!-que "muitos que expulsam demônios e têm poder de milagres não pertencem ao reino de Deus; enquanto que outros muitos que pertencem não fazem tais coisas".    

         --- Não se pode duvidar que a maioria, a quase totalidade, dos magos, feiticeiros, bruxos, satanistas e tantos outros que faziam -e fazem- esses prodígios que Santo Agostinho naquela sua fase chamava milagres, "não pertencem ao reino de Deus". Como também não se pode duvidar que a maioria, a quase totalidade, dos que pertencem ao reino de Deus não obtêm esses prodígios nem milagres.

        Sem parapsicologia, o tema do milagre emperra em meras suposições. Sem parapsicologia os teóricos (no plano meramente teórico, cegos por preconceitos ou dificuldades meramente teóricas, porque com referência à realidade a diferença seria claríssima) confundem o que seria milagre ou fenômeno supra-normal com manifestações extra-normais e para-normais do homem.    

             Santo Agostinho naquela etapa errada do seu pensamento argumentava assim:

          "Os demônios puderam aperfeiçoar a arte dos magos, que a Sagrada. Escritura chama feiticeiros e encantadores, ao ponto de mudar os sentimentos humanos, como parece que quer dizer o nobre poeta Virgílio falando de uma mulher, grande mestra nessa arte: 'Ela promete sanar as mentes com seus encantamentos, à vontade, ou enviar-lhes amargas inquietações, parar as ondas dos rios ou inverter o curso dos astros. Ela evoca os manes tenebrosos. A Terra mugirá sob seus pés e verás os peixes descer das montanhas'. Se é assim, oh!, quanto mais Deus é prodigioso para realizar os prodígios que parecem incríveis aos infiéis e que não passam de brincadeiras para Seu poder infinito?".

--- É  a força do preconceito. Tão convicta como erradamente se atribuía aos demônios na época de Agostinho, ou aos "manes tenebrosos" na época de Virgílio, haver ensinado a alguns mortais pleno conhecimento das forças da natureza e a técnica de dominá-las.

   Se o ensinavam, era porque eles, os demônios ou manes, o possuíam e intervinham no mundo freqüentemente...

          --- Mas a parapsicologia demonstrou que é falsa a premissa (que os demônios ou manes tenebrosos etc. tivessem ensinando a certas pessoas um maravilhoso domínio das forças da natureza). Portanto a conseqüência (quanto mais Deus poderia ensinar a alguns homens maior domínio, donde resultariam aparentes milagres), em si mesma não tem valor nenhum.

 E além disso confundem, em grande parte, milagre com providência. Confundem força superior à natureza -supra-normal-, com uso das forças da natureza -providência--. O milagre é uma força superior, não é mera técnica, que se possa ensinar no uso das forças naturais.

            DESORIENTAÇÃO DURANTE MUITOS SÉCULOS

          No amplíssimo estudo multissecular sobre os milagres, como também na recente polêmica tri-secular entre defensores e negadores, uma coisa aparece claríssima: precisamente por não terem conhecimentos de parapsicologia, quase todos os "especialistas" (como podem ser?) em milagres ficaram desorientados em uma grande área. Os antigos, e muitíssimo mais desorientados, por não dizer totalmente errados em quase tudo, os recentes. Porque foram afundando-se, sem a base firme da parapsicologia ou estudo a partir dos fatos, cada vez em maiores e mais numerosos críticas e dificuldades meramente teóricas.

            Partem de falsos pressupostos. Concretamente não sabem que não há nenhum fenômeno que se deva a demônios ou aos mortos... No intento de diferenciar os milagres divinos e os milagres (?!) de demônios etc., com suas elucubrações, por partir dessa mistura irreal, só podem apresentar alguns lampejos de verdade. Periféricos, sem atingir a essência do fenômeno supra-normal. Só podem perceber, quando muito, certos aspectos. Que nem sempre são realmente diferenciadores.

             Escreve, por exemplo entre milhares, um clássico autor de apologética católica:

          "Os (...) demônios (na realidade o termo demônio, e análogos, na Bíblia designa unicamente as doenças internas, como demonstro em outros artigos e no  livro "Antes que os Demônios Voltem") têm um poder muito grande e podem usar dele (?!); mas só com a permissão de Deus. Por tanto (...) os demônios não fazem prodígios, senão quando Deus o ordena ou permite por razões dignas da Sua sabedoria. Deus não pode permitir que o demônio induza os homens ao erro; por isso é relativamente fácil conhecer os prodígios dos demônios".

            *** Da mesma opinião foram muitos entre os teólogos protestantes. Resume Moshemio, um clássico autor da Reforma:

              "Deus não permite que o Diabo com milagres realizados por ele possa perverter os planos de Deus ou enganar os homens levando-os à uma religião falsa. A não ser quando Deus o ordena ou permite como castigo bem merecido a pessoas que com perversidade desprezam os verdadeiros milagres e com enganos arrastaram a outros".

            --- Ora, se  afirmam que "Deus não pode permitir que o Diabo induza os homens ao erro", como podem considerar lógico que "Deus o ordena"? Ou mesmo "o permite"?.

Temos de dar razão a P. Saintyves, apaixonado adversário dos milagres, quando protesta contra "os teólogos escolásticos que dividem os milagres em milagres de primeira ordem (de Deus) e em milagres de segunda ordem (de manes, demônios, espíritos, etc.). Para eles, aliás, nada é tão fácil como reconhecer um milagre de primeira ordem (...). Infelizmente, está bem longe de ser assim na prática. E nós não vemos por que é mais difícil fazer piolhos com terra (Refere-se a: "Todo o pó da terra transformou-se em mosquitos por todo o país do Egito. Os magos do Egito, porém, com suas ciências ocultas, fizeram o mesmo para produzir mosquitos, e não conseguiram" -Ex 8,13s-), do que (transformar) varas em serpentes" (o que também os magos do faraó conseguiram -Ex 7,11s-)

 Aqueles escolásticos classificavam a transformação de pó em mosquitos como milagre de primeira ordem; e a transformação de varas em serpentes como milagre de segunda ordem ou preter-natural.

*** Por essa evidente dificuldade, Santo Tomás, numa fase da sua evolução de pensamento, exigia, para que um acontecimento seja considerado milagre, que a Força que o produziu seja de "fora de toda a natureza criada", Deus.

--- É que no seu tempo já havia muita mentalidade mágica de crença nas intervenções dos demônios (?). Santo Tomás na sua imensa inteligência compreende que os demônios etc. não podem fazer milagres: "Tomando-se a palavra milagre em sentido próprio", os demônios não podem realizá-lo, como também nenhuma outra criatura. "Isso não pode ser feito a não ser por Deus".

          Mas o problema do milagre ficaria sem solução. Como saber se um determinado fenômeno é superior às forças de toda a natureza criada, do Diabo ou de outra entidade seja lá a que for? Como distinguir na prática entre milagres de primeira ordem e milagres de segunda ordem? Tal distinção teórica, na prática e na realidade, seria completamente inútil.

         A DEFINIÇÃO CLÁSSICA DE MILAGRE

            "Superior, diferente ou contrário ao modo regular da natureza" ("Supra, praeter vel contra ordinem consuetum naturae").

         Esta fórmula de definição deve-se a Santo Tomás de Aquino, diríamos na sua época áurea, o maior conhecedor de todo o saber teológico, filosófico e das ciências de observação acumulados até o século XIII, e um dos que mais fez avançar e mais influiu no saber de todos os tempos após ele.

         Tal definição de milagre, após Santo Tomás de Aquino, foi a clássica ao longo dos séculos. Destaquemos, sob o comando do insuperável sábio Próspero Lambertini, papa Bento XIV, no século XVIII, pouco antes do inicio da grande polêmica sobre os milagres, o esforço dos melhores teólogos, filósofos e cientistas de observação recolhendo e estabelecendo com claridade os conceitos, em vista ao discernimento dos milagres nos processos pontifícios para as beatificações e canonizações.

          Atenção!: No estúdio dos pretendidos milagres, não se trata de doutrina sobrenatural (religião e teologia), senão de fatos do nosso mundo: ciência de observação. Incomuns, mas relacionados com os homens: parapsicologia.  

          Na fórmula da definição clássica estão incluídos os três tipos  do que tradicionalmente se entende por milagre: 1) pelo fato em si mesmo superior à natureza ("supra naturam" ou "quoad substantiam"), 2) pelo modo diferente da natureza ("praeter naturam" ou "quoad modum vel ordinem"), e 3) pela coisa em que se fez ("contra naturam" ou "quoad subjectum"). Lapidarmente os descrevia o Sumo Pontífice Inocêncio VIII (1432-1492), recolhendo e firmando o conceito, geral antes das deturpações surgidas muito mais tarde durante a  apaixonada polêmica: "Deus Onipotente comprovou (nós diríamos "assinou") a santidade de São Leopoldo (de Áustria) com inumeráveis milagres realizados pela sua invocação. Milagres que pela substancia do fato, ou pelo modo ou ordem de realiza-lo, ou por aquilo em que foi realizado, certamente excedem a força e potência da natureza".

          Em ordem aos debates convêm acrescentar para completar esta classificação teórica um quarto tipo de milagre impropriamente dito: Divina Providência. Refere-se  a um poder sobrenatural usando as forças da natureza.

         A DEFINIÇÃO DE MILAGRE FOI DETURPADA ACINTOSAMENTE

         Da definição clássica que acabamos de expor, derivou uma segunda fórmula: "Suspensão, derrogação ou violação das leis da natureza".

         Na passional e acalorada polêmica sobre os milagres deflagrada pelos racionalistas, principalmente do final de século XVIII até meados do século XX, a imensa maioria, tanto dos atacantes como dos defensores, atribuía esta segunda definição a Santo Tomás. E sobre esta definição plantam seus ataques e defesas.  

         Isto é, na sensacional polêmica tri-secular, a totalidade (raríssimas exceções), tanto defensores como negadores, nem sequer sabe do que discute. Revisei  cuidadosamente todos os textos do doutor angélico, especialmente inclusive até as notas e alusões em que trata o tema do milagre, e não encontrei esta segunda fórmula.

            Na realidade as fórmulas "suspensão, derrogação ou violação das leis da natureza" e outras equivalentes não somente não são de Santo Tomás, mas nem sequer tradicionais entre os tomistas. São extrapolações, deturpações, "traduções" absolutamente mal feitas...

            "SUSPENSÃO"

           Um termo que fez cair a discussão freqüentemente em meras disquisições. É claro que o milagre não é, em sentido estrito, suspensão das leis da natureza, como veremos. De todas formas, e para evitar discussões inúteis, frisemos desde já com os melhores analistas da mente de Santo Tomás: "O milagre é a suspensão da aplicação de uma lei da natureza a um caso particular pela intervenção de uma Causa superior à natureza".

            "DERROGAÇÃO"

           Lembremos, antes de mais nada, que o termo derrogação não está incluído na definição clássica, de Sto. Tomás, ou no conceito correto de milagre. E muito menos com exclusividade, como pretende Eduardo Le Roy (falecido em 1954).

           Fica assim reduzido a disquisições fora do tema quase todo o trabalho de Le Roy e demais debatedores que usam essa horrível fórmula: "Milagre é uma derrogação das leis da natureza".

            Lamentavelmente, em pleno debate sobre os milagres, em meados do século XIX, essa espúria fórmula chegou a entrar na "Encyclopédie Catholique"!: Milagre é "um fato sensível derrogando as leis da natureza". De forma que pouco depois, em 1921, assomando-se à discussão o prêmio Nobel de literatura Anatole France, nem duvidava que esse era a única e verdadeira definição de milagre: "Se nos define o milagre: uma derrogação às leis da natureza".

            O lamentável fato pode servir como mais uma prova do preconceito dos racionalistas e da desorientação e dos erros que o racionalismo causou até hoje na maioria, desavisada neste tema, inclusive de grandes teólogos católicos e protestantes.

            Frisemos em segundo lugar que na linguagem dos jurisconsultos, derrogação propriamente designa o ato do legislador concedendo liberdade a algum dos seus súditos de cumprir ou não, em algum caso particular, uma lei geral. O termo derrogação, então, não tem cabimento aplicado às leis da natureza física, isto é, em relação aos milhares e milhares de pretendidos milagres de ordem física. Os agentes físicos não são propriamente obrigados, são mais bem invencivelmente determinados. Abandonados "à própria escolha" de ação, seriam eternamente inertes. Conceder-lhes independência seria fazê-los essencialmente impotentes. A derrogação nada produziria. Seria um princípio de nada.

            "VIOLAÇÃO"

          O filósofo e historiador David Hume parece que foi, no século XVIII, o primeiro que "traduziu" a definição de milagre como sendo "violação das leis da natureza". E assim foi também ele quem erradamente atribuiu a Santo Tomás tão horrorosa extrapolação.

            O erro, ou talvez melhor o preconceito, de Hume foi também um dos grandes motivos da negação do milagre. Nem os racionalistas, por preconceito e má intenção, nem ingenuamente seus seguidores os teólogos protestantes liberais e inclusive os teólogos católicos modernistas e hoje "modernizados", não estudaram os fatos.  

            Assim Henri Roger, por exemplo, rejeitava o milagre definido como "um ato contrário às leis da natureza e produzido por uma potência sobrenatural". E o prof. Dognon  revoltava-se porque considerava essencial no milagre "o sentido bem preciso de infração à lei".

--- Que disparate! Então quem falasse em milagre estaria implicitamente afirmando que essa "potência sobrenatural" só poderia ser o chamado popularmente Diabo ou algum dos seus demônios, ou algum dos espíritos maus e perversos, etc. Nenhuma "potência sobrenatural" boa, digna, decente, poderia ser acusada de "violação das leis da natureza", acusada de pecado contra a natureza, ou de "infração da lei". Muito menos, sem blasfêmia, poderia acusar-se a Deus Santíssimo.

           Também esta espúria fórmula chegou a entrar no "Dictionnaire de Théologie", católico, de Bergier, em plena polêmica, em meados do século XIX. De forma que a maioria dos teólogos e filósofos católicos e protestantes, e em conseqüência também os cientistas de observação, então pensava -e pensa- que essa absurda fórmula era a verdadeira definição e conceito de milagre!!!

           RECURSO AO CAMPO MORAL

           Por tudo isso muitos debatedores, desde o próprio Santo Tomás em outra fase antiquada do seu pensamento, levam a pretendida diferenciação ao campo moral. Não havendo parapsicologia na sua época, Santo Tomás não podia nem suspeitar da explicação natural e humana de determinados fenômenos, e cai num erro que hoje nos pode parecer simplista:

*** Não podem atribuir-se a Deus, tem de ser obra do Diabo. "Os demônios somente podem realizar milagres num sentido amplo, que despertam a admiração dos homens porque superam seu poder e conhecimento". E o Aquinate insiste em que são fenômenos pueris, fúteis, risíveis e que inclusive fazem apelo a meios perversos e desonestos.

-- Em primeiro lugar não é tão claro assim, ou é certamente exagerado afirmar que todos e sempre os fenômenos que eles atribuíram aos demônios sejam fúteis e em ambiente infame... Embora os fenômenos parapsicológicos humanos sempre exijam em alguma medida um estado alterado de consciência e sejam mais ou menos perigosos contra o equilíbrio psicossomático. 

            E para enganar, o Diabo se transvestiria de bonzinho...

            Por isso modernamente muitos teólogos e filósofos insistem no resultado, bom ou mau, para diferenciar o milagre divino e o milagre diabólico (?!). Mais exato seria, com referência a esses teólogos e filósofos influenciados pelo liberalismo e modernismo, dizer fenômenos da Divina Providência e -horrível expressão- da "providência diabólica". Providência, porque eles não sabem definir, e muito menos aceitam, o verdadeiro milagre.

"É SOMENTE O SINAL"

Assim, por exemplo, escreve o famoso teólogo Pe. Xavier Léon-Dufour S.J.:

         "Felizmente (?!) nem todos os pensadores vinculam o milagre ao prodígio. Perante o impasse a que conduzia uma apologética intemperante (?!), os teólogos recentes  souberam (?!) mostrar (...) que o milagre não pode consistir somente no prodígio, senão que toma sentido a partir do sinal que Deus dá ao ser humano através do prodígio. Assim encontra-se restaurada (?!) a dimensão do sinal, que ela somente (?!) dá sentido ao fenômeno visível (...). Tiremos as conseqüências desta compreensão (?!) do milagre. Se o prodígio é inseparável da mensagem da qual é sinal, não pode de nenhuma maneira ser dissociado dos seus beneficiários, para os quais tem significação. Portanto, não há milagre em si, isto é, arrancado do contexto vital onde é transmitido".

           "Sendo assim (?!), se o acontecimento é um prodígio para os espectadores, ele não o é necessariamente para aqueles que o ouvem recitado vinte séculos mais tarde" (?!), ou para os  seguidores de outra religião (?!).

--- Quantos disparates em tão poucas alíneas...

A situação de muitos teólogos e filósofos modernizados fica ainda mais ridícula. Porque, por um lado, negam o verdadeiro milagre, convertendo-o unicamente em sinais tão subjetivos ou tão emocionais; e, por outro lado, esses mesmos teólogos modernizados aceitam a possessão demoníaca! Milagres de Deus, não; dos demônios, sim! O cúmulo!

E assim  1º) caem num "intemperante" subjetivismo; 2º) assim, para eles, não pode haver apologética (= defesa de fé); 3º) nem fé racional... Tudo dependeria do "contexto vital" dos "seus beneficiários".

Paradoxalmente, com aparentes visos de racionalismo, na realidade todos esses teólogos estão igualando qualquer tolice ao milagre. O que eqüivale a fazer do milagre uma tolice.

            Esses teólogos inspiram pena quando, saindo do seu campo propriamente teológico -a partir da Revelação-, entram no campo fenomenológico -da ciência de observação, a partir dos fatos, parapsicologia-, campo a que pertence por essência o tema dos milagres, fatos do nosso mundo observável...

            *** Escreve por exemplo Etianne Charpentier (conceituado teólogo exegeta, porque como observador dos fatos, como parapsicólogo..., péssimo): "Sendo o milagre um sinal, uma questão que põe em caminho, não tem tanta importância que algum dia possa ser explicado, dado que não se crê por causa dele, mas por causa da verdade da mensagem".

            --- Coleção de erros. Admirável capacidade de acumular tantos disparates em tão poucas palavras. Não acerta uma, nem por  equivocação. É admirável que a maioria dos teólogos modernos, influenciados pelo racionalismo, achem que tais disquisições são de grande valor. Reflexão teológica a respeito de fatos, completamente divorciada dos fatos!!

            *** Segundo eles só "sinal"! Só "põe em caminho"! "Não tem tanta importância que algum dia possa ser explicado"!

            --- Se o milagre pudesse explicar-se naturalmente algum dia, nunca haveria sido verdadeiro milagre!

            *** Dizem: "Não se crê por causa dele, mas por causa da verdade da mensagem".

            --- Formidável contradição. Acreditar em verdades inobserváveis, sobrenaturais pela própria verdade da mensagem! Sem milagre, a aceitação de determinada mensagem, entre milhões de pretendidas mensagens ou pretendidas revelações em milhares de religiões, seria completamente subjetiva, infantil, irracional, inumana.

            Ou como sublinhava até ironicamente nada menos que o insuperável Bento XIV: "É sumamente difícil neste tema encontrar separação, entre milagre e sinal. Dado que se prova a fundo ante tudo que nenhum sinal de coisa alguma sobrenatural se pode deduzir a partir de muitas circunstâncias das quais nenhuma, nem em conjunto nem por separado, superaria as forças da natureza".

            A característica que chamamos sinal alude à importantíssima finalidade do milagre, não alude à constituição do milagre como tal.

            Basta um mínimo de reflexão para dar ganho de causa aos antigos teólogos, contra os malabarismos dos "modernizados". Santo Tomás já insistia em que os milagres tem valor de sinal precisamente porque são efeitos sobre todo poder da natureza.

           O santo doutor mostra que são inseparáveis esses dois aspectos, "o  primeiro, a ação ela mesma que ultrapassa, isso pelo qual os milagres são chamados 'atos de poder'; o segundo é a finalidade pela qual são feitos os milagres, isto é, a manifestação de algo sobrenatural, isso pelo qual comumente são chamados 'sinais'".

            Lógico: entre os teólogos de hoje, alguns de maiores quilates e autoridade, e por isso mesmo não seduzidos pelo racionalismo e modernismo, também frisam a inseparabilidade de ambas características. Os padres Karl Rahner  e Vorgrimler, por exemplo: O milagre deve ser "algo, no horizonte da experiência humana, não explicável  pelas leis da natureza. Só assim pode ser sinal da vontade salvífica de Deus".

            UM EXEMPLO "DIABÓLICO"

           De acordo com aquele espantoso e ridículo subjetivismo de tantíssimos teólogos de hoje, influenciados pelo racionalismo, seria milagre qualquer especial fenômeno parapsicológico, mal interpretado no "contexto vital" de alguém entre as testemunhas "seus beneficiários". Entre milhares de exemplos, escolho um acontecido com os irmãos Burner, os famosos chamados "endemoninhados" (?!) de Ilfurt:

           "O policial Schini (...), protestante anglicano, burlava constantemente dos acontecimentos ocorridos na família Burner, e divertia-se um mundo pelos inumeráveis estrangeiros que vinham de tão longe para ver aquela que ele chamava 'a idiotice' dos dois irmãos (...). Fez-se emprestar uma roupa civil, e ao entardecer se dirigiu à casa da família Burner".

          "Uma multidão de pessoas lhe prevenira que deveria esperar seu turno no térreo. Mas a espera não foi longa. Os dois endemoninhados (?!) jaziam no seu leito no primeiro andar e pareciam adormecidos, quando um deles chamou a mãe e lhe sussurrou: 'Mamãe, desce ao térreo e encontrarás o policial Schini ao pé da escada. Faze-lo passar entre as pessoas e encaminha-o logo acima, porque há muito que não o vemos'. A mãe pegou uma vela e desceu; mas como o policial estava em roupa civil não o reconheceu".

          "Ela subiu junto aos seus filhos, e lhes assegurou que estavam enganados. 'Que?, que?', exclamaram eles dois, 'o policial Schini está aqui embaixo, certamente! Só que está vestido à paisana'. O pai Burner quis então descer a certificar-se ele mesmo, e encontrando-o imediatamente, pediu-lhe subir porque seus filhos assim o desejavam."

          "A estas palavras o policial Schini pareceu alcançado por um raio (...). Apenas retornado à casa, quando seus superiores o interrogaram (...), 'não vi nada, mas ouvi', respondeu Schini, `isto me basta!'. E lhes contou como os rapazes o tinham reconhecido sem que lhes fosse possível vê-lo. 'Sem dúvida nossa religião (anglicana) proíbe (naquela época, com notável pioneirismo, lamentavelmente hoje quase plenamente perdido) a superstição (de possessões demoníacas), mas como posso eu explicar semelhante mistério?'"

 -- Já expliquei várias vezes, em outra serie de artigos e especialmente em "A Face Oculta da Mente", este singelíssimo fenômeno de Sugestão Telepática (ST). Os chamados "endemoninhados" (?!) captaram telepaticamente o pensamento do policial a respeito deles.

O vulgar fato parapsicológico é o que os "modernizados", por seus preconceitos, entendem ou explicam (?!) como milagre!! Foi tão sinal para o policial, que nele fundamentou sua súbita rejeição do anglicanismo em favor do catolicismo. Os demônios convertidos em apóstolos!, segundo os católicos.

Para os anglicanos, porém, seria milagre do Diabo, porque foi sinal para afasta-lo do anglicanismo ou da Reforma em geral, arrastando-o para o "papismo".

E EM CONTRASTE,

e por exemplo, quando Jesus revitalizou a Lázaro após tantos outros prodígios magníficos, tão superiores aos fenômenos de todos os povos e de todas as religiões..., também tudo seria sinal da intervenção do Diabo, de acordo com a reação das testemunhas:

"Então os chefes dos sacerdotes e os fariseus reuniram o Conselho e disseram: 'Que faremos? Este homem realiza muitos sinais. Se o deixarmos assim , todos crerão nele e os romanos virão, destruindo o nosso lugar santo e a nação'" (Jo 11,46-48). 

--- Esses teólogos "modernizados" acostumaram-se a disquisições no ar. Nem suspeitam o ridículo que fazem. Deveriam deduzir, em temas do nosso mundo, a partir dos resultados estabelecidos pelas ciências de observação. A "interpretação subjetiva", isso que eles erradamente chamam "sinal", de maneira nenhuma pode ser a característica essencial para diferenciar o falso milagre do verdadeiro. Como o subjetivismo não serve para diferenciar as moedas falsas das verdadeiras, ou as perucas das verdadeiras cabeleiras...

           Então, o que seria milagre?

 

PODE HAVER MILAGRE?

 

As Bodas de Caná. Quadro de Gerard David.

                Em todos os estudos e discussões sobre o milagre, no campo teológico, no filosófico, das ciências de observação em geral e concretamente na moderna parapsicologia; na discussão que se expandiu no fim do século XVIII, que se exacerbou no século XIX e que invadiu a primeira metade do século XX; na discussão, aparentemente "perdida" até hoje precisamente pelos que estão com a razão, quase desaparecendo entre a multidão e quase esmagados pelos preconceitos dos opositores; nesses multisseculares estudos e nessa tri-secular polêmica entre os poucos que com conhecimento dos fatos falam dos milagres, e os muitos que sem prévio estudo dos fatos aprioristicamente rejeitam qualquer possibilidade do milagre, tudo, mais ou menos reflexamente, gira precisamente ao redor desta característica essencial do conceito de milagre:

              FATOS OBSERVÁVEIS SUPERIORES À NATUREZA

            O ataque aos milagres por parte dos racionalistas foi acirrado neste "front". E ridiculamente preconcebido.

                "NÃO SE SABE O QUE A NATUREZA PODE..."

          *** Desvairava o famoso filósofo holandês e sefardita (assim chamados os judeus  expulsos da Espanha), Baruch de Spinoza (1632-1677):

         "Que me seja permitido perguntar se nós pobres humanos temos um tal conhecimento da natureza que permita determinar aonde chega sua força ou seu poder, e o que possa superá-la. E porque ninguém, sem arrogância, poderia avançar semelhante pretensão, não fica senão tentar explicar, deposto todo orgulho, os acontecimentos prodigiosos por meio de causas naturais, enquanto possível; para aqueles que não possamos explicar ou demonstrar absurdos, bastará suspender nosso juízo e edificar a religião sobre a doutrina da sabedoria somente".

*** O ex-protestante filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, agitado sempre sem deixar de ser profundo muitas vezes, escrevia uma vez bem simploriamente, antes de converter-se ao catolicismo:

                "Mas quem é o mortal que conhece todas as leis da natureza? (...) Os milagres são as provas dos simples. 'Isto não se pode', é uma expressão que sai raramente da boca dos doutos; eles dizem mais freqüentemente 'não sei'".

            *** E na mesma época Félix Dantec:  

          "Para constatar um milagre (...) precisar-se-iam conhecer todas as leis (da natureza), como também todas as condições do fenômeno observado. Quem ousaria ter uma tal pretensão?".

                - Respondo: Sem os milagres, sobre que sabedoria poderia aceitar-se uma Revelação divina, ou seja lá de quem for? Acreditar sem milagres numa suposta revelação sem assinatura, provavelmente então meramente inventada pelos homens, seria irracional, inumano, infantil.

- Assim os racionalistas e seus seguidores caem numa pretensão realmente estúpida: Com tal relativismo absurdo, o próprio Dantec teria podido chegar a alguma conclusão? Se tivesse exigido a si mesmo conhecimento de todas as leis e de todas as condições, poderia lecionar qualquer coisa nas suas aulas de biologia no Instituto Pasteur de Paris?

            - Reconhecem o desconhecimento humano. Não deveriam atrever-se a negar o sobrenatural. E muito menos os fatos "maravilhosos" como tais, sem nem sequer estudá-los!

          A contradição em que terminam por cair Spinoza, Saintyves, Bultmann etc., etc., quem não a vê, se não fosse pela absurda cegueira do preconceito? Por um lado pressupõem aprioristicamente que a natureza é pouco menos que onipotente, e não obstante por outro lado negam a historicidade, negam a possibilidade de ação ao realmente Onipotente e Autor da natureza. A natureza pode qualquer prodígio, Deus nenhum! Na expressão de Spinoza, se pudesse acreditar na revitalização de Lázaro por Deus, teria de renunciar a toda sua filosofia...

           ... "MAS SE SABE O QUE NÂO PODE"

           Basta isso para refutar a objeção. É evidente. Entre tantíssimos fatos, estou me concretizando à classificação "contra naturam" (--"contra ordinem consuetum naturae" ou "quoad subjectum" = "naquilo em que foi realizado" o prodígio).

           Dizia um grande parapsicólogo,  o Pe. Ludovico Macinai:

          "Aquela resposta do incrédulo não só é estúpida senão que implicitamente contém um absurdo. Atribui às coisas uma natureza contrária à que de fato têm. Supõe que, permanecendo as coisas aquelas que são, possam produzir efeitos superiores ou contrários à sua capacidade. Se alguém nos viesse a dizer que das pedras brotam flores, ou que as árvores caminham e pensam, acreditaríamos certamente que estávamos a ter com um doido. Tanto é absurdo o que se diz e em contradição com a natureza das pedras e das árvores. Pois quem atribuísse os verdadeiros milagres às forças da natureza não diria um absurdo menor".

Muito antes já apresentava o mesmo argumento Santo Agostinho, após haver superado seu período de desorientação:

           "Todo o curso da natureza tem suas leis certas naturais (...). Os elementos deste mundo corpóreo têm um poder definido e uma definida qualidade, pelos quais se determina aquilo para o que valem e para o que não valem, o que podem e o que não podem".     

                Perante certos fatos, superiores precisamente porque também diferentes da natureza, há que deduzir, com certeza, que embora invisível lá interveio uma outra Força Superior.

                Escreve com lógica irretorquível o Pe. José María Riaza S.J., meu saudoso e muito estimado professor na Universidade de Comillas (Espanha):

          "Pode acontecer que não seja possível marcar com precisão matemática o limite entre duas nações, não obstante todos sabem com certeza que a França não chega até Roma".

         BASTA UMA LEI

         Em muitos casos concretos basta conhecer algumas leis concretas para saber o que a natureza não pode. Sabemos sem lugar a dúvidas que, segundo uma lei física universal e necessária, a natureza, nem espontaneamente nem com a técnica  humana, não pode fazer que um morto retorne à vida. Sabemos com certeza que por uma lei universal e necessária, a natureza, nem espontânea nem artificialmente, não pode fazer que uma chaga inveterada sare imediatamente. E muitíssimas outras leis concretas.

            Já no século XVII o grande sábio Blásio Pascal, matemático, físico e filósofo, convertido do jansenismo ao catolicismo precisamente pelos milagres que observou e estudou, dedicou amplas páginas a provar e explicar a irretorquível conclusão: "O milagre é um efeito que excede a força natural  dos meios que se empregam".

            Pode bastar uma única lei bem conhecida... "Não é necessário conhecer todas as leis da nação, nem todos os artigos do código, para afirmar com certeza que o homicídio voluntário constitui uma infração da lei. Também não é necessário conhecer todos os recursos da natureza para saber que com um pouco de saliva não se cura um cego de nascença, e que com uma simples palavra não se faz sair do sepulcro um cadáver".

            POR EXEMPLO COM A ÁGUA

          A ciência moderna, após as pesquisas do grande físico inglês lorde Rutherford, conhece a química das transformações.

          Mas nas Bodas de Caná, evidentemente Jesus não dispunha desses grandes e complicados instrumentos... Sabemos com certeza que uma simples palavra não transforma instantaneamente uma grande quantidade de água em igual quantidade de excelente vinho. Para isso é preciso Outra Força...

          "Houve um casamento em Caná da Galiléia e a Mãe de Jesus estava lá (...). A Mãe de Jesus Lhe disse: 'Eles não têm vinho' (...). Sua Mãe disse aos  serventes: 'Fazei tudo o que Ele vos disser'".   

         "Havia ali seis talhas de pedra para a purificação dos judeus (entre 80 e 120 litros) (...). Jesus lhes disse: 'Enchei as talhas de água' (...). Quando o mestre-sala provou da água transformada em vinho (...), disse: 'Tu guardaste o bom vinho até agora!´".

         "Este início dos sinais, Jesus o fez em Caná da Galiléia e manifestou a Sua glória e os Seus discípulos creram nEle" (Jo 2,1-11).

          -- Sinal, sim, mas não no sentido meramente subjetivo, senão como fato que indiscutivelmente sinaliza o poder de Deus, de Cristo, e por isso seus discípulos creram nEle. 

            OS DISCÍPILOS IMITAM SEU MESTRE

Um pouco de "efeito bumerangue", no mesmo tipo de classificação:

.          Século VI. CERVEJA  -- Santa Brígida, célebre abadessa, padroeira de Irlanda. Um grande grupo de trabalhadores só tinha água para beber. Santa Brígida levantou os olhos ao céu e fez o sinal-da-Cruz sobre o tanque de água. À vista de todos, as águas foram espessando-se um tanto e trocando de cor. Todos verificaram que se tratava de excelente cerveja.

          Século VII. VINHO, LEITE E MEL - São Molua de Irlanda, abade. Uma vez mandou aos seus cansados monges: "Ide e enchei os recipientes com água da fonte". Tendo feito isso, a água se transformou em leite com sabor de mel e efeitos do vinho.

            Século X!!. VINHO - São Bennon , visitando uma vez, como costumava, os agricultores, vendo que, cansados pelo trabalho, sofriam veemente sede, movido pela compaixão, converteu a simples água que iam beber em excelente vinho.

            Século XIII. "O MELHOR VINHO" -- Um dia, estando ausente seu marido, Santa Isabel, jovem duquesa de Hungria, comia sozinha sua pobre refeição composta de pão seco e água. O duque, chegando de improviso, quis, como mostra de carinho, beber do mesmo copo, e encontrou, para sua grande surpresa, um líquido que lhe pareceu ser "o melhor vinho que se poderia beber no mundo". Perguntou então ao copeiro donde o tinha tirado, e este respondeu que servira à duquesa unicamente água!

         "MUITAS VEZES" - Inclusive com referência a um santo só.

           PÃO. Santa Cunegonda, Imperatriz de Alemanha, faleceu em 1040. Os pobres que ela costumava atender quando viva, depois acudiam ao túmulo. No processo de canonização se comprovou que "muitas vezes o pó retirado do seu túmulo converteu-se em pão". 

Etc., etc.

FATO SUPERIOR ÀS FORÇAS DA NATUREZA

Voltemos ao distintivo geral. Precisamente diferenciar "o que a natureza pode" e "o que não pode", onde acaba a natureza e começa o milagre, é o objetivo último e um dos principais frutos da parapsicologia. Muito acertadamente Robert Amadou, um dos mais completos parapsicólogos contemporâneos e de grande autoridade, presidente do "Institut de Parapsychologie" da França, diretor da "Revue Métapsychique" até 1955 etc., define a parapsicologia como a ciência que tem por finalidade diferenciar o verdadeiro do falso milagre. E acrescenta: "O mérito da parapsicologia é por uma parte proteger-nos contra as superstições, e ao mesmo tempo convencer-nos de que (...) o sobrenatural não se reduz aos seus reflexos inferiores, de que a sombra não é a realidade, e que o homem, e menos ainda a natureza, não é Deus".

*** Hoje, a exagerada atenção prestada ao modernismo (séculos de campanha do racionalismo, agnosticismo, positivismo, ateísmo, liberalismo...), atrever-me-ia  a dizer que um certo complexo doentio perante as ciências de observação, fez com que em quase todas as faculdades de teologia do mundo se renunciasse a definir intrinsecamente o milagre como tal; insiste-se erradamente só nas circunstâncias extrínsecas do que seria somente aparente milagre.

           - Assim não se resolve o problema, foge-se dele. Foge-se de um problema secular. Um problema fundamental! Importantíssimo!   

           É cientifico, é humano, é necessário, é urgente enfrentar diretamente o estudo de determinados fatos mais maravilhosos. E para afirmar ou para negar há primeiro que estudar. Parapsicologia.

          *** A maioria, indevidamente vitoriosa na secular polêmica sobre os milagres, objeta:

          "Em razão desta identificação do milagre com o prodígio, os espíritos contemporâneos foram conduzidos a rejeitar em bloco a existência mesma dos milagres".

          Reflete o parecer quase unânime -de influência racionalista- da teologia atual. Corroborado com enorme aceitação por "Um Inquérito Renovado" que tinha por título: "Palavra de Deus". Trata-se de exposições pretendidamente  magistrais de grandes teólogos, que se auto-consideram especialistas no milagre. Sob a direção do famoso teólogo jesuíta Pe. Léon-Dufour.

          - E não duvido de que sejam grandes teólogos, no seu campo específico de teólogos: doutrina, ou a partir da Revelação. Do que duvido, ou melhor: também não duvido que não são nem grandes nem sequer medíocres especialistas no milagre. Nisto são péssimos cientistas: falam de fatos sem haver estudado os fatos!

O estudo dos fatos (inclusive de se é ou não é fato a Revelação, se é ou não fato que se deve a Deus e não a qualquer outra entidade ou se é mera invenção humana entre tantas religiões), quase totalmente não pertence à teologia. Como fatos extraordinários e em quanto fatos pertencem à parapsicologia. Estes fatos, porém, deveriam interessar fundamentalmente a todos os teólogos.

           *** "É assim que o teólogo Christian Duquoc (do aludido "Inquérito Renovado. Palavra de Deus") diagnosticava a situação atual:

          "O prodígio, ou o milagre, não pode passar de um luxo metafísico, do que não temos nenhuma necessidade de nos embaraçar para viver cristãmente. Os dados prodigiosos do Novo Testamento relevam mentalidades que nos são estranhas; nossa tarefa é reafirmar isso que sem cessar é negado subtilmente: a verdadeira humanidade de Jesus até a morte".

-- Na realidade, sim, são terrível "luxo metafísico" essas afirmações do bom teólogo em tema de teologia, mas péssimo cientista ao falar do milagre sem estudo dos fatos!

Na realidade, "do que não temos nenhuma necessidade de nos embaraçar para viver cristãmente" é das aéreas disquisições e sutilezas dos teólogos "modernizados". Sem milagres, a Revelação não teria credenciais para ser aceita racionalmente. Não haveria fundamento "para viver cristãmente" em vez de viver epicureamente, ou budisticamente, ou espiriticamente... Entre 56.000 religiões registradas.

Na realidade, negando os milagres, o que os racionalistas pretendem negar com maquiavélica sutileza, repetida no cúmulo da ingênua "irreflexão teológica" pelos "modernizados", é que junto à verdadeira humanidade existisse a divindade em Jesus Cristo. Seria infantil, irracional, inumano aceitar sem credenciais, sem milagres, a divindade de Jesus Cristo.

E é precisamente porque na definição não fica abertamente incluído o caráter sobrenatural, supra-normal (SN) do milagre, ou porque com discutível habilidade evitam ser claros, que a "Delegação Romana" reclama contra os autores do "Catecismo Holandês", que ao menos neste ponto disfarçam o preconceito e o erro dos teólogos "modernizados". Diz a Delegação Romana expressamente: O Catecismo Holandês "tenderia a excluir que um milagre possa superar as causas, talvez desconhecidas, que agiriam na ordem natural (...). Deveria sustentar que é além de todas as forças que estão presentes na natureza".

Mas apesar dessas reduções, a discussão está bem centrada. A parapsicologia concorda, para estabelecer o conceito e iniciar a pesquisa. E devemos guardar essa característica fundamental que flutua na definição de milagre. Um acontecimento que excede às forças da natureza, que não tem explicação natural. É causado, portanto, por outra força, de fora, agindo no nosso mundo.

Esta característica é precisamente o que a parapsicologia quer frisar com o termo supra-normal. Para falar-se em milagres, para poder-se de início admitir a possibilidade, por mais remota que possa parecer, de que o fenômeno se deve  a força de fora do nosso mundo (= sobre-natural), tem de ser claramente superior à natureza, supra-normal na terminologia da parapsicologia, que distingue entre extra-normal, para-normal e supra-normal.

O termo supra-normal foi introduzido na parapsicologia por Myers (Frederic William Henry), um dos seus fundadores. "Permiti-me compor a palavra supra-normal (...). "Um fenômeno (...) que excede às leis da natureza (...). Em minha opinião tal fenômeno não existe"

            -- Como se vê, ao descrever o que se entende em parapsicologia por supra-normal, Myers pre-julgava e negava aprioristicamente os milagres, sem tê-los estudado. Até então não estudara ainda os fatos, simplesmente estava programando o estudo, e estava num ambiente infeccionado pelos  racionalistas. Descartemos o preconceito, fica e guardemos o verdadeiro conceito de supra-normal = um fenômeno que excede às forças da natureza = milagre.

            Em nome de outros muitos teólogos de hoje, ingenuamente com tendências racionalistas, o Pe. Léon-Dufour, como conclusão das exposição pretendidamente magistrais dos colaboradores escolhidos no antes aludido "Inquérito Renovado" (atendamos no momento só ao que agora interessa, a característica "efeito superior à natureza") disparata: "Há que delimitar com rigor o que se entende por  milagre. Se é verdade que o milagre consiste na transposição de um limite aparentemente insuperável, não se podem esquecer (...) as ações extraordinárias dos curandeiros, as performances dos iogues (...). Mas na realidade tudo isso depende da técnica ou da parapsicologia. Por tanto "O critério da excepcionalidade não é válido, o de superação do impossível não é suficiente". 

            -- Durante séculos teologia, filosofia e ciências de observação coincidem em considerar no milagre, como essencial, que seja um fenômeno que "transponha" os extremos "limites" da natureza, que seja "insuperável" pela natureza, "superação do impossível" para a natureza...

       Mas percebe-se o impasse dessa teologia atual perante a parapsicologia. Lamentavelmente ainda são poucos os teólogos que conhecem suficiente parapsicologia. Embora alguns a citem, como o próprio Léon-Dufour. Os pesquisadores, os teólogos "modernizados" negam-se a estudar os fatos!; sem parapsicologia, em muitos fenômenos concretos não podem nem suspeitar onde estão os limites da natureza. É possível que seja precisamente porque estão apavorados por esse desconhecimento, que se negam a estudar os fatos e fogem pela tangente com preconceitos teóricos. Irrefletidamente repetem os ataques mal-intencionados dos racionalistas.

            Pergunta o grande parapsicólogo, o também jesuíta Pe. José de Tonquédec:

          Os fenômenos parapsicológicos humanos (Extra-Normais e Para-Normais) "confrontados com o milagre (fenômeno Supra-Normal -SN) católico, têm-se mostrado muito diferentes. Mas a que se reduz finalmente e funcionalmente esta divergência?", os milagres superam as forças parapsicológicas da natureza ou do homem?

           -- A responder esta importantíssima pergunta, fenômeno por fenômeno parapsicológico, deveremos dedicar numerosos artigos.

           O Pe. Tonquédec adianta: "Sem chegar a um conhecimento exaustivo, talvez seja possível descobrir ao menos a que categoria geral de acontecimentos, a que gênero supremo pertencem" os diversos fenômenos naturais, humanos, extra-normais e para-normais (EN e PN) em comparação com os milagres, análogos mas muito superiores, supra-normais (SN).

            *** Sem conhecimentos de parapsicologia, a quase totalidade dos teólogos modernos deixou de lado o aspecto "superior à natureza" para cair em subjetivos "contexto religioso", "relação a Deus", "condições necessárias" etc.

            -- Pergunto: Que contexto? De qual entre as inumeráveis religiões? Que condições? Tudo isso é espantoso e ridículo subjetivismo. Se um fenômeno observável supera as forças da natureza, é sobrenatural (supra-normal, SN). Se o fato observável é causado por uma força sobrenatural é milagre (fato supra-normal). É apriorismo exigir, antes da conclusão da pesquisa, que seja relacionado com Deus Único! Outros poderiam exigir que fosse relacionado com o Deus budista (panteísmo), ou com algum dos inumeráveis deuses greco-romanos (politeísmo), ou com algum dos orixás e exús (suposta multidão de divindades, ou forças da natureza divinizadas), ou com os espíritos (desencarnados, inexistentes) dos mortos, ou com os popularmente chamados demônios, ou com seja lá quem for!

            Não dizem que o milagre é sinal? Sinal de que ou de quem? Isso só poderemos saber após a verificação e análise. Só após a demonstração da existência e após a análise de milagres ou fatos supra-normais, essas e quaisquer outras qualidades poderiam ser acrescentadas. A posteriori. Sem apriorismo.  

          Cabe à ciência verificar se esse fato aparentemente sobrenatural é na realidade sobrenatural. E num segundo passo verificar de que ser sobrenatural o fato supra-normal seria realmente "assinatura"  e, consequentemente, de que fé, entre tantas religiões, seria sinal, incentivo ou confirmação.


         A favor ou contra, aqui esta a grande importância da parapsicologia. Como disse no primeiro artigo desta que necessariamente tem que ser uma longa série, este tema é a razão de ser de minha já longa vida dedicado à parapsicologia

 Pe. Oscar G. Quevedo S.J.

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